Encontros amorosos durante a pandemia

Como sobrevive a vida sexual clandestina?

Com o contacto direto comprometido, senão mesmo inviabilizado fora do estrito núcleo familiar, por imposição das novas medidas sanitárias, com a obrigatoriedade de distanciamento social impedindo o contacto cara a cara, com os intermitentes confinamentos e recolheres obrigatórios, como têm sobrevivido os amantes clandestinos? Como se ‘encontram’ em época pandémica? Como mantêm contacto? Como se reinventa agora a sua vida sexual?

A líbido não entrou em quarentena

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A escola refugiou-se no telensino, as reuniões mudaram-se para o Zoom, Meets e Skype, a família ‘reencontra-se’ por meio de videochamadas, a noite abre portas no Houseparty, e o sexo clandestino entre amantes casados, por onde anda? Medir o pulso à vida sexual de quem tem vidas paralelas não é mero ato de curiosidade ou voyeurismo, mas antes uma forma de avaliar a capacidade humana de se adaptar e reinventar, perante uma das mais extraordinárias e inimagináveis adversidades dos nossos tempos: uma pandemia.

Refugiados em casa – local que assume agora todas as valências da nossa esfera de ação: escritório, ginásio, restaurante, sala de aulas e de reuniões… – poderíamos admitir que todos aqueles que mantêm relações sexuais fora do casamento teriam sido obrigados a suspender, ou mesmo a terminar, os relacionamentos com os amantes. Acontece que os amantes são criativos e não foi isso que aconteceu. Todavia, entre a comunidade disponível para trair a sua relação primária, por qualquer que seja o motivo, devemos distinguir entre aqueles que só agora pensam levar avante o seu propósito de encontrar um/a amante e aqueles que já mantinham um caso extraconjugal. Os primeiros vivem num dilema complexo. Por um lado, têm agora mais tempo e oportunidade para avaliar os níveis de felicidade do seu casamento e, porventura, até mais tempo disponível para procurar e descobrir possíveis matches em sites de encontros para pessoas casadas, como o Second Love. Uma busca que nem sequer levanta suspeitas nas/os companheiras/os, já que se passa grande parte do tempo frente ao computador, a trabalhar, a encomendar o jantar, a fazer compras online, a ouvir música ou assistir a um filme, a ‘viajar’… A internet é hoje o nosso segundo planeta Terra. Razão pela qual aumentou exponencialmente o fluxo de interações em sites de encontros, bem como o tempo de conversação entre amantes e potenciais amantes.

Por outro lado, iniciar neste momento, em plena pandemia, uma relação clandestina implica manter os primeiros encontros no plano virtual, já que o receio de contágio e de propagação do vírus, mais ainda dentro do núcleo familiar ao qual se está confinado, é demasiado assustador para permitir ‘aventuras’ arriscadas. Claro que os mais temerários encontram razões e meios para o fazer presencialmente ainda assim, mas na maioria dos casos, sexting, fotos sensuais, sexo virtual e pelo telefone marcam a natureza dos primeiros ‘encontros’.

Sentir-se desejado faz bem ao ego e à mente

O isolamento e o convívio prolongado e forçado com os cônjuges, em alguns casos, adensa incompatibilidades, evidencia o desgaste de relações longas imposto pelo repetitivo quotidiano, e torna visíveis as fragilidades do casamento. Isso desperta a vontade de conhecer novas pessoas, de voltar a sentir-se desejada/o, o que alimenta o ego e ajuda a desanuviar a cabeça e a libertar alguns pesos. Fator que justifica o aumento médio da duração das conversações em sites de encontros. Quem já tinha amante, ou amantes, não obstante correr os mesmos riscos de possível contágio, tem a seu favor o fator confiança e credibilidade, substantivos que validam a possibilidade de se correrem riscos calculados e de menor inibição para se expressarem sexualmente de forma virtual. São pessoas que já se conhecem pessoalmente e que podem assegurar honestamente não estar contagiados ou mesmo serem testados a fim de garantir que não são portadores do coronavírus. Isso facilita algumas transgressões e permite os tão desejados encontros físicos entre amantes, mesmo que isso implique furar a quarentena.

Se ainda há muito por saber acerca da COVID-19, uma das coisas que se sabe há muito, e que é esclarecida pelas autoridades de saúde, é que o vírus não se transmite sexualmente, pelo que os contactos íntimos não estão interditos, mais ainda, entre parceiros habituais desde que asseguradas medidas de higiene, como a lavagem e desinfeção das mãos e de brinquedos sexuais. Os que não vão tão longe, ocupam-se a alimentar o desejo e a satisfazer as suas fantasias sexuais online. Mesmo os mais púdicos, aqueles que não ponderam exposições online, afirmam que conversar com as/os amantes mantém uma certa noção de normalidade, a qual se perdeu nos últimos meses. Um escape que ajuda a manter a sanidade mental, o bem-estar físico e a esbater estados depressivos, principalmente quando os casais de amantes não de coíbem de procurar obter o orgasmo por via de sexo à distância, ou solitariamente.

A espera aumenta o desejo

Em comum, iniciantes e amantes efetivos que não arriscam contactos de proximidade ou intimidades em videochamadas, têm o estímulo de um encontro futuro, algo pelo qual anseiam e pelo qual vale a pena esperar. Uma espécie de prémio adiado, mas prometido, que permite continuar a aguentar a espera e a satisfazer o ego e a líbido. Nestes casos, as conversas tendem igualmente a ser mais longas, profundas e diversificadas, o que cria maiores e mais significativas áreas em comum entre os amantes, outrora mais dedicados a satisfazer o desejo. Eventualmente, no tão ansiado primeiro encontro físico, o à-vontade e o nível de intimidade serão beneficiados pelo muito que já previamente conhecem um do outro.

Espectável é um maior declínio nos encontros fortuitos e ocasionais, embora todos os dados disponíveis não sejam substantivos para validar pareceres.

Protocolos de segurança

Se é certo que todos conhecemos os sérios riscos pessoais e para a saúde pública da COVID-19, não é menos certo que há que garantir a saúde noutras esferas da existência humana, onde sanidade mental e bem-estar físico, emocional e sexual são de extrema importância. Quase um ano de isolamento alternado, de tímidos recomeços, titubeantes novas normalidades e de receios generalizados promove estados depressivos, enfado e ansiedade.

Assim, mais do que uma receita comum, talvez cada indivíduo, dentro das suas vicissitudes e contingências, deva elaborar um protocolo de segurança pessoal, que lhe permita cumprir as regras sanitárias sem prejuízo para a sua esfera emocional e sem comprometer a sua vida sexual. Deve definir um conjunto de regras que devem reger o seu comportamento social, o qual deve assegurar, em primeiro lugar, a salvaguarda da sua saúde e a de todos aqueles que o rodeiam e acautelar o cumprimento das normas vigentes, mas que lhe possibilite igualmente algumas liberdades que lhe permitam sentir-se vivo. Pode estabelecer, por exemplo, que se pode encontrar com pessoas com quem já estava evolvida/o física e sentimentalmente antes da pandemia, e com quem sente intimidade e confiança suficientes para exigir um teste ou qualquer outro tipo de código proteção. Pode determinar que os encontros não prescindirão de máscara, ou que não haverá lugar a beijos, ou qualquer outro entendimento que funcione para os dois.

Tudo isto pode parecer estranho e bizarro, mas não mais do que tudo o resto que por estes dias vivemos e experimentamos. Além disso, é bom estar disponível para adaptações e novas formas de fazer as coisas, mesmo o sexo, pois dificilmente o mundo voltará a ser igual ao que era.

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